Ao passar por uma cidade do Norte do Espírito Santo, conheci a Família Soares. Vivem em uma bela residência, construção do século passado e que contava um pouco da história do local. Acompanhei melhor o drama: estavam com um grande problema envolvendo a filha mais nova, a quem vamos chamar de Patrícia. A menina vinha sendo vítima de bullyng na escola, seu desempenho estava fraco e ela ainda apresentava comportamento agressivo em casa.
Patrícia tinha o sono agitado, ficava a maior parte do tempo sentada no chão do seu quarto e negava alimentação e qualquer tipo de contato com pessoas de fora. A família Soares havia buscado padres, pastores, psicólogos e sua última tentativa era Sônia, médium cardecista. Ela se propôs ajudar a família, entrou pela porta da sala e sentiu algo estranho “-Não estamos sozinhos, existem amigos do além aqui”. Difícil para acreditar no que não se vê. Mas Sônia passou em todos os cômodos da casa e um dos quartos chamou a atenção. Estava vazio, mas Sônia disse sentir alguma energia que a incomodava. Procuramos saber mais sobre a casa. Ela tinha pertencido a uma família que durante quatro gerações foi muito poderosa na região. Marido, mulher e dois filhos mais três empregados freqüentavam diariamente a casa. É muito difícil que algumas pessoas falem do que aconteceu com pessoas que conheceram. Depois de muito trabalho conseguimos descobrir alguns detalhes intrigantes.
O então Empresário bem sucedido participou de um movimento para separar Colatina do Espírito Santo. Era um homem de posses, temido por uns e respeitado por outros. Coronel Demóstenes falava pouco e não tinha muito convívio social. Em 1906 a economia do norte do ES tomou um grande impulso com a construção da Estrada de Ferro Vitória – Minas. Em 1916 o Coronel Calmon e Pinheiro Júnior foram derrotados na disputa pela presidência do Estado do Espírito Santo. Insatisfeitos, reuniram um grupo e desencadearam uma revolução para proclamar a independência de Colatina e instalando a sede do governo neste município. A revolta do Xandoca, como ficou conhecida, foi debelada por tropas governistas no mesmo ano.
Demóstenes vivia nos bastidores, financiando ações políticas e articulando com diversos poderosos da época. Tinha uma amante, baiana morena jambo que o encantou desde a primeira vez pela sensualidade e pelo sotaque. Ele tratou de levar para trabalhar em sua residência. Assim teria seus carinhos sem se expor tanto à sociedade. Sua esposa vivia para trabalhar e só saía de casa para ir à missa aos domingos, sempre acompanhada dos filhos, como costume da época, não conversava com estranhos e suas raras amizades eram o padre e duas beatas. Demóstenes foi surpreendido por uma notícia inevitável: sua amante estava grávida. Desesperado com a repercussão que daria e com medo de um escândalo entre seus companheiros políticos ordenou que ela não tivesse a criança. Ela, com medo de Demóstenes, propôs esconder a gravidez e viajou para o sertão da Bahia para ter a criança. Nasceu uma menina perfeita, linda e que recebeu o nome de Maria da Consolação.
Viveu ali durante três anos e meio, dentro de uma grande miséria. Sem apoio algum do pai da menina. Um dia ela retornou. Demóstenes negou a filha – semelhante ao extremo ao pai – a tratou como bicho e disse que se ela quisesse voltar teria que ser sem a criança. A baiana saiu em busca de um abrigo. Demóstenes, preocupado com o que sua amante poderia fazer, mandou capangas acabarem com a vida dela e da criança.
Ao pressentir que estava sendo seguida, a Baiana tratou de esconder a criança em uma carroça que ficava parada junto de outras, às margens do Rio Doce. Tratou de correr o quanto agüentou até ser assassinada e seu corpo jogado no rio. Agonizando até seu corpo ser levado pela correnteza, amaldiçoou Demóstenes, sua família e todas as gerações seguintes. Mesmo sem matar a filha, Demóstenes deu por encerrada história, certificando-se que sozinha a criança não sobreviveria.
Demóstenes perdeu os filhos, um brincando com arma de fogo e outro vítima de um grave acidente de carro. Sua esposa adoeceu ficando vários anos acamada até morrer. Coronel Demóstenes foi internado em um hospício e nunca mais se teve notícia. Seus bens foram arrolados para pagamento de dívidas e poucos descendentes da família estão vivos até hoje e se negam a falar sobre qualquer história do passado.
Sônia a médium sentiu uma energia do mal, naquele quarto. Sônia se emocionou e disse –“Ela estava ali: tinha aparência gótica, olhar sedutor.
Voz suave que chegava ao ego dos homens de forma precisa. Proibida. Desejada. Tenho certeza: era realmente uma Vampira”. Todos se olharam assustados, mas ninguém teve coragem de dizer uma palavra. Sônia continuou: “-Ela acompanha esta casa, está no quarto que disse ser seu e quer a vida da pequena Patrícia”. Depois disso, Sônia, teve um leve desmaio, saiu do transe e ao sentar-se explicou detalhadamente o que estava acontecendo: “-trata-se de um espírito obssessor que está ligado a esta casa por algum motivo muito sério. Está sugando toda a energia da Patrícia, querendo viver a vida dela, se apossar das coisas dela, tirando cada fragmento de sua vitalidade”. Perguntei se era uma Vampira realmente como ela tinha falado. Sônia me olhou e disse: “-O mal se apresenta de diversas formas, é com certeza um espírito que suga toda a energia de Patrícia.”
Após meses de estudo com grupo de médiuns, conseguiram que a “vampira” se comunicasse com mais detalhes. Foi ela que relatou toda a história de Demóstenes e sua amante baiana e que seria ela a filha órfã. Disse ter sido encontrada por um casal alemão recém chegado à região. Apesar de toda a dificuldade de se estabelecer em um país totalmente diferente, deram um lar para ela, mas nunca esqueceu sua mãe e a violência vivida. Tratou de buscar se aproximar da casa e pensava estar se apoderando do quarto que imaginava ser seu por direito, afinal era filha, mesmo que ilegítima, do dono. Através de uma mulher que morava em uma localidade que hoje é a Cidade de Pancas, aprendeu rituais de magia e se tornou uma bruxa, vivendo até a morte em uma floresta. Seu trauma era forte e por isso perseguia a família e buscava na pequena Patrícia sugar a vida que julgava merecer ter vivido: pai e mãe, um lar, roupas novas, alimentação, carinho e um quarto.
Foram várias sessões de oração e desobsessão para que conseguissem acalmar aquele espírito, que estava se materializando como uma vampira, se alimentando da vida da pequena Patrícia. A última notícia que tive é que está tudo bem. Até hoje.
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