Era tão ousada que sua família, escandalizada, costumava interná-la em hospícios, achando que ela não podia ser normal. A sociedade também pensava parecido pois várias vezes a colocaram atrás das grades das cadeias.
Luz Del Fuego criou a primeira colônia de nudistas do Brasil, numa ilha. E a sua ilha ficou mundialmente famosa. Astros de Hollywood se hospedaram lá mas foi também lá, na sua ilha, que Luz morreu assassinada.
Dora Vivacqua, o verdadeiro nome dela, nasceu em 21 de fevereiro de 1917 na mesma cidade que, mais tarde, nos daria Roberto Carlos: Cachoeiro do Itapemerin, no estado do Espírito Santo. Era a décima de um time de 15 filhos do casal Etelvina e Antonio.
Ainda criança, mudou-se com a família para Belo Horizonte.
Dora deixou fascinar pelas serpentes e, adolescente, aboliu o sutiã, muito antes das feministas queimarem os seus em praça pública. Nesta época, ao ir de férias às praias do seu estado natal, Dora amarrava um lenço de cabeça sobre os seios, vestia uma calcinha e desfilava assim pelas areias, muito antes da invenção do biquini e quando as mulheres usavam maiôs que cobriam os ombros e iam até os joelhos.
É claro que Espírito Santo e Minhas Gerais eram pouco para a ambição da menina Dora. O que ela queria mesmo era ir viver no Rio ou em São Paulo. Conseguiu.
Quando seu pai foi assassinado e ela foi viver no Rio com um de seus irmãos mais velhos, Atílio.
Aos 19 anos se apaixonou por um jovem de família tradicional do Rio de Janeiro, José Mariano Carneiro da Cunha Neto.
Atílio, seu irmão, tentando separar o casal (porque sabia que ia dor rolo) mandou Dora de volta para Belo Horizonte.
Ela então passou a morar com Angélica, uma de suas irmãs. Também não deu certo porque, um dia, Angélica flagrou o marido na cama, com Dora.
O marido de Angélica era um empresário de renome em Minas Gerais, era um ótimo casamento. Angélica e a família preferiram colocar a culpa em Dora e a internaram num hospício onde ela passou dois meses e perdeu dez quilos.
Achiles, um de seus irmãos, tirou-a do sanatório e a levou para viver na fazenda do outro irmão, Achilau.
Também não deu certo porque Dora resolveu desfilar pela propriedade vestida de Eva, usando apenas folhas de parreira. O irmão chiou e ela jogou um vaso na cabeça dele.
Resultado? Hospício de novo, mas, agora, no Rio de Janeiro.
Mais uma vez, foi salva por uma irmã, Mariquinhas, que a tirou de lá e a levou para morar com ela, em Cachoeiro.
Ela tinha apenas 20 anos quando fugiu para o Rio e foi viver com José Mariano, sem querer se casar com ele. Brigavam muito porque Dora não queria saber de monotonia. Quis ser paraquedista. Ele a impediu. Então ela foi estudar dança na academia de Eros Volúsia, a bailarina brasileira de sucesso internacional, filha da poeta Gilka Machado.
Foi assim que, em 1944, Dora virou Luz Divina, abalando o Rio de Janeiro com um temporada de apresentações no Circo Pavilhão Azul, anunciada como a mais corajosa dançarina, já que ia para o palco com Cornélio e Castorina, um casal de jibóias de estimação que se enrolavam pelo corpo de Dora.
E ela começou a ficar famosa. Virou Luz del Fuego em 1947, por sugestão do palhaço Cascudo.
Então, no alvorecer dos anos 1950, Luz era famosa, desejada e tinha conquistado o que a maioria absoluta das mulheres de seu tempo não tinha: a independência.
Estaria tudo maravilhoso, se não fosse... a família!
Seu irmão Atílio agora era senador. Como explicar a irmã vedete? Naquele tempo, vedete e prostituta significavam rigorosamente a mesma coisa para a opinião pública preconceituosa.
Luz escreveu um livro de memórias. Atílio quase enlouqueceu. Conseguiu comprar metade da edição e botou fogo nos livros.
Veja este vídeo raro com cenas históricas de LUZ DEL FUEGO, com a primorosa narração da voz padrão da Rede Globo, Dirceu Rabelo
Nessa época, Luz começou a falar em nudismo. Ia com amigos para as praias desertas do Rio e todos tiravam a roupa. Foram todos presos.
Aí, ela escreveu outro livro, “A Verdade Nua”. Desta vez a família nem precisou tomar providências, porque o livro foi imediatamente censurado e recolhido pela polícia.
Só que ela não desistia. Mandou fazer uma outra edição e vendia pelo correio. Ganhou um dinheirão e conseguiu arrendar uma pequena ilha, onde fundou sua primeira colônia de nudismo.
Durante toda a década de 1950 Luz excursionou Brasil afora, em turnês cujos cachês serviam também para as muitas doações que ela fazia a instituições beneficentes.
Mas o problema era mesmo a família. Irmão senador, cunhado empresário famoso em Minas, outros irmãos donos de estabelecimentos comerciais bem sucedidos
Cada vez que uma revista publicava reportagens e fotos de Luz o irmão senador saía feito louco tentando comprar todas as revistas de todas as bancas de jornais do país.
Mesmo assim, ele perdeu as eleições para governador do Espírito Santo porque os outros candidatos viviam dizendo que ele tinha uma “irmã demoníaca” que dançava nua com cobras enroladas no corpo.
Aí então ela criou o PNB, Partido Naturalista Brasileiro. Seu irmão senador conseguiu bloquear o registro.
Namorando nada mais nada menos que o Ministro da Marinha, Luz conseguiu uma ilha maior para instalar sua colônia nudista.
Foi assim que nasceu a “Ilha do Sol”, que se tornou a grande sensação do turismo carioca. Astros de Hollywood frequentavam a ilha. Seriam hoje os Brad Pitt e Angelina Jolie da vida. Eram Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Power, Errol Flynn, Glenn Ford, Cesar Romero, Brigitte Bardot... e outros. Jane Mansfield foi até lá com o marido mas não deixaram que ela entrasse porque ela se recusava a ficar nua. Steve Mac Queen teve um ataque histérico ao acordar com as cobras de Luz enfiadas em sua cama.
Era o auge do sucesso.
Mas como tudo que sobe um dia desce... a fama de Luz, a beleza, o exotismo, tudo isso foi saindo da moda, principalmente com a chegada dos revolucionários anos sessenta com seus jovens rebeldes para quem Luz era apenas um exemplo da exploração do sexo feminino.
A Ilha do Sol já não era frequentada por astros de cinema, mas por gente comum, entre eles os irmãos Alfredo Dias e Mozart Gaguinho, os assassinos dela.Quem descobriu o crime, ocorrido em 19 de julho de 1967, foram dois jornalistas, um de O Dia e outro da Última Hora, respectivamente Mauro Dias e Mauro Costa.
Alfredo foi preso e confessou. Mas Gaguinho resistiu à prisão e, trocando tiros com a polícia, matou um cabo. Só então as autoridades deram importância ao caso. A morte de Luz del Fuego não era nada demais, mas a de um cabo, em plena ditadura militar, era coisa séria. Gaguinho foi para o manicômio judiciário. Seu irmão cúmplice, Alfredo, se tornou evangélico na prisão e acabou escrevendo um livro, onde narra o crime em detalhes, chamado “A Tragédia da Ilha do Sol”.
Luz tinha apenas 50 anos quando morreu.
Veja abaixo uma reportagem exibida na década de 90. Interessante ver que as famosas "tarjas-engana-bobo" não eram utilizadas. Veja cenas raras de Luz del Fuego
LUZ DEL FUEGO, adorei, parabéns por descobrir histórias de pessoas da nossa cidade, muitas vezes esquecidas ou até mesmo desconhecidas.Beijos!!! Cintia.
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